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Tenda dos milagres, de Jorge Amado

O romance favorito de Jorge Amado tem tudo para ser meu favorito também: valorização da cultura popular, importância de descentralizar o conhecimento, luta sobre consciência de classe e como a questão de raça atua na construção de uma identidade nacional.


Não cito cada um desses termos de modo vago. Em Tenda dos milagres (1969), Jorge Amado constrói uma poética que parte da ficcionalização dos arquivos que constroem a realidade, para formar o romance que dá vida a Pedro Archanjo. Vida essa contada a partir de frestas, hiatos históricos e retrospectos que saem da oralidade, da troca de conhecimento popular e da necessidade de registro.

Lendo sobre Tenda dos milagres me deparei com caracterizações do tipo “um romance sobre as perseguições sofridas por terreiros de candomblé”, ou “um manifesto em defesa da mestiçagem”, ou ainda “uma exposição de ideias sobre hierarquias sociais, posicionamento contra a ditadura militar”. Tenda dos milagres consegue ser tudo isso sem confundir ou sobrecarregar o leitor. Aliás, é com uma precisa leveza sarcástica que somos atraídos para o centro da vida de pessoas que formam a universidade popular, que ensinam e aprendem e que transformam a dança e o riso em luta e resistência.


Acompanhar uma narrativa dupla, que dá conta do passado da vida de Pedro Archanjo e do presente – 1968, quando o livro foi publicado – nos faz entender como funciona a falácia da elite de dar voz e espaço para pessoas marginalizadas. Archanjo só é descoberto anos depois, quando um estadunidense vencedor do Nobel chega ao Brasil e o cita como inspiração. A partir daí, vemos nitidamente as engrenagens do rentável circo midiático. Agem para despolitizar a figura de Pedro, tiram sua história de luta, de enfrentamento e partilha de conhecimento.


Tenda dos milagres expõe uma elite extremamente racista, que age tanto para manter os próprios privilégios quanto para manter os marginalizados no mesmo local histórico de invisibilidade. É tudo tão hipócrita que, por vezes, senti raiva. Mas mais que isso, no geral, senti uma esperança real, que foge de ilusões utópicas e mostra um caminho possível para seguirmos.

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