Abro espaço para sensações.
Escrever o que parece indizível é batalha difícil, aparentemente perdida. Mesmo assim, sinto o desejo de repassar as emoções que tive ao entrar em contato com o texto, isso me faz sentir aproximação, reconhecimento.
Com Lygia Fagundes Telles e seu Seminário dos ratos (1977) houve uma sequência de sensações indizíveis.
Como leitores, somos cúmplices de Lygia. Ela adorava reafirmar isso. Essa relação firmada em confiança parece até contraditória quando lemos Seminário dos ratos. Enquanto sentimos uma profunda sensação de liberdade dentro de histórias, há uma tensão constante nos exigindo atenção e cuidado.
Relembro o que Ricardo Piglia, escritor argentino, falava sobre essa tensão existente em bons contos. Há o trabalho de equilibrar, de desenvolver duas histórias em uma sem necessariamente resolvê-las. Em Seminário dos ratos a tensão passa a existir no preciso instante em que nós, leitores, percebemos que há a possibilidade de existir essa segunda história além daquela visível na primeira camada do texto.
Basicamente, ficamos com a mesma reação daquele meme “aí eu fiz ‘oxente’”. 😂
Mas voltando. Lygia era uma escritora insatisfeita e colocava isso de todas as formas em suas criações. A insatisfação passava do próprio texto até o contexto social e político em que ela estava. Como não poderia ser diferente, a questão política, a questão feminista e de liberdade suscitaram em Lygia o desejo de expor seus descontentamentos. É por isso que lemos contos fantásticos, com animais metafóricos ou metamorfoseados, mulheres em situação de protagonismo, homens questionados e desejo de revolução e mudança.
É massa, é bonito, é até mesmo inacreditável o que essa mulher faz com as palavras. Lygia desenvolve personagens que parecem desembrulhar ela mesma e a nós. Ligações profundas que são criadas a partir daquela cumplicidade entre autora e leitores. Para quem deseja conhecer ou se aprofundar na obra de Lygia, Seminário dos ratos é um caminho indispensável.
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