Somos todos inevitavelmente solitários?
Senti um profundo estranhamento ao iniciar O coração é um caçador solitário (1940), da estadunidense Carson McCullers. Personagens esquisitas, ambientação desoladora, diálogos aparentemente desconexos e histórias que se cruzam com um ponto em comum: John Singer, um homem surdo de meia idade que tinha apenas a Antonopoulos, também surdo, como amigo.
Conforme avançava na leitura, percebia Singer se tornando uma espécie de sol, ou deus, dos quatro personagens que o rodeavam e, ao emplacarem longos monólogos direcionados a ele, sentiam compreensão ao lhe confiarem confidências, dores e esperança.
Percebo que o estranhamento fisga minha atenção justamente porque ele age na construção da imagem da solidão. Todas as pessoas que aparecem aqui são inevitavelmente solitárias. O irônico é que o livro é feito de diálogos, o tempo inteiro pessoas interagem, conversam e, apesar disso, vejo apenas solidão.
Há um sincero desespero por encontros nesses personagens. Cada um, à sua maneira, acrescenta uma camada dramática ao enredo ao buscarem ardentemente por relacionamentos humanos. E afirmo ‘dramática’ por conseguir me reconhecer nessas camadas ao sentir angústia de enxergar sonhos perdidos, ideais derrubados e perceber que, inevitavelmente, alimentamos um sistema que nos massacra.
Não seria exagero afirmar que há uma desesperança que une essas vozes. Singulares e transgressoras, as personagens refletem um contexto de iminência da Segunda Guerra Mundial, o resultado catastrófico da segregação racial, além da exposição de condições precárias de trabalho e existência.
Não é um romance convencional. Demorei algumas dezenas de páginas para me conectar, mas algo me fazia continuar. Talvez a linguagem aparentemente simples da autora ou o desejo de entender as personagens.
De todo modo, o que prevalece é a sensação aterradora de perceber junto a eles que essa solidão do espírito humano é inevitável. Todos estamos suscetíveis. E, no final das contas, o máximo que podemos fazer é nos articularmos para que os sentimentos bons prevaleçam em nosso coração. É essa busca que fornecerá o sentido de vida que precisamos para continuar.
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